domingo, 1 de outubro de 2017


A dama de espadas. Prosa e poemas, de Aleksandr Púchkin

O impulsionador de uma nova tradição literária na Rússia





                                                            “Púchkin”, de Orest Kiprensky, 1827
 


O PROSADOR E O POETA

Por que te inquietas, prosador?
Escolhe os temas e, ao que for,
eu darei gume, alada rima,
e farei dele flecha exímia
que, após deixar a corda tesa
do arco dobrado servilmente,
voará certeira até que a presa,
nosso inimigo, se lamente!

(1825)

No dia 6 de junho, a Rússia comemora o Dia de Púchkin, um feriado nacional: as pessoas reúnem-se junto ao Monumento a Púchkin, levam flores e põem-se a recitar ou escutar os seus poemas. Em Bruxelas, em Sófia, em Nova Déli, em Madri, em Roma, há eventos semelhantes. Na Inglaterra, há um tradicional Festival Púchkin. Isso dá uma ideia da grandeza desse escritor, cuja arte continua a se irradiar até os dias de hoje. Em 2010, a Unesco aprovou tornar 6 de junho, igualmente, como o Dia da Língua Russa.

A grande tradição da literatura russa, inicia-se com o filho da aristocracia, Aleksandr Sierguéievitch Púckin (Moscou, 26/5/1799 – São Petersburgo, 29/1/1837).

Como é possível que se diga que Púchkin inicia uma nova tradição na literatura russa? Tome-se o caso da dramaturgia, por exemplo: afora as comédias de costumes, havia, no cenário teatral do começo do século XIX, peças traduzidas do francês ou do italiano ou imitações da tragédia neoclássica. Púchkin, em uma produção que se estende por apenas duas décadas, toma a si a tarefa de conciliar a língua russa verdadeiramente falada com os mais diversos gêneros literários que praticou. Púchkin foi, assim, ao mesmo tempo, um inventor e um mestre, para usar a terminologia de Ezra Pound. E tudo isso, lembre-se, numa vida que se encerrou abrupta e precocemente, num duelo.


Praticamente sozinho, o poeta teve que tomar inúmeras decisões, das menores às maiores, fazer centenas de escolhas, optar por tais ou quais modelos que pudessem ser, pela primeira vez, copiados, melhorados, deturpados etc. numa língua, numa tradição e num meio literário virgens, sem poder recorrer a precedentes bons ou ruins.
Quem inventou o soneto na Itália medieval não escreveu o primeiro grande soneto: este levaria ainda um século para surgir. Púchkin escreveu o primeiro grande soneto russo, a primeira grande balada, a primeira grande epopeia, a primeira grande tragédia, os primeiros grandes epigramas, os primeiros grandes poemas amorosos, os primeiros grandes contos, o primeiro grande romance histórico, e assim por diante. O admirável é que, quase sempre, ele escreveu tanto o "primeiro" de cada gênero quanto o "primeiro grande".
(Nelson Ascher In: “Uma enciclopédia da vida russa. Púchkin e a invenção de uma tradição”, Folha de S. Paulo, 3/10/2012, caderno Ilustríssima, p. 3).

A morte de Púchkin abala fortemente Gógol e Liérmontov, com os quais tinha relação de profunda amizade e aos quais inspirou e influenciou. A Gógol, inclusive, a morte do amigo tem o efeito, num primeiro momento, de interromper temporariamente a sua produção criativa; após isso, o escritor sente-se estimulado a concluir Almas mortas, cuja ideia – da mesma forma como acontecera com O inspetor geral - fora-lhe fornecida por Púchkin.

O opus magnum de Púchkin é a narrativa em versos – formato herdado de Byron - Ievguêni Oniéguin (1833), à qual ele se dedicou por cerca de oito anos. Trata-se de obra, sob o ponto de vista formal, extremamente complexa, com pouco mais de quatrocentas estrofes que são como pequenos sonetos, com quatorze versos rimados de oito sílabas métricas.
*

O presente volume traz uma coletânea de narrativas – novelas e contos – e uma pequena seleta de poemas.

As duas primeiras narrativas chegaram-nos inacabadas: “O negro de Pedro, o Grande” e “Dubróvski”.

O negro de Pedro, o Grande”, escrita em 1827, tem base semidocumental. Abram Ganíbal foi trisavô de Púchkin pelo lado materno. Pesquisas posteriores comprovaram que Abram, nascido Ibraim, nasceu no antigo Sudão Central. Foi comprado pelo Sultão de Constantinopla e dado de presente para o czar Pedro, o Grande. Púchkin orgulhava-se de suas raízes africanas, como também de sua linhagem aristocrática paterna.

Entre os jovens que Pedro, o Grande, enviou a terras estranhas, a fim de obterem informações indispensáveis à reforma do Estado, figurava o negro Ibraim, afilhado do czar. O jovem estudou na escola militar de Paris, foi promovido a capitão de artilharia, destacou-se na guerra da Espanha e, depois de gravemente ferido, voltou a Paris. (p. 19).

Ibraim vive, em Paris, um amor com uma condessa casada, o que desperta mexericos redobrados, pela infidelidade e pelo inusitado da relação de uma nobre com um negro.

A nova ligação da condessa logo se tornou conhecida por todos. Algumas senhoras se admiravam da sua escolha; para muitos, todavia, ela parecia bem natural. Alguns riam, outros viam uma imprudência indesculpável da sua parte. Nos primeiros transportes da paixão, Ibraim e a condessa nada percebiam, mas pouco foi preciso para que começassem a chegar até eles as pilhérias ambíguas dos homens e as observações ferinas das mulheres. (pp. 24-25).

Outras peripécias acontecerão com a volta de Ibraim para a Rússia.

Com essa primeira novela, o leitor já tem contato com uma qualidade refinada da prosa do grande escritor russo: a fluência e elegância de sua escrita e, de maneira igualmente admirável, a sua capacidade de rapidamente situar a cena, os personagens, e apresentar o nó da narrativa.

O estilo do autor busca a concisão, o que confere leveza e atualidade ao seu texto e, como essa virtude está na essência da poesia, surgem daí algumas das razões de Púchkin ser considerado o grande poeta russo, num país de tão magistrais artistas do verso.

O Narrador de Púchkin interessa-se sobremaneira pela trama e pela forma como reagem as personagens envolvidas; quase não se vê descrição de locais, paisagem, compleição física ou indumentária de personagens, o que, muitas vezes, como se sabe, toma parágrafos e até páginas de certa literatura romântica.




                                 Auto-retrato de Púchkin, 1820s
  
Vivia anos atrás, numa das suas propriedades, o grão-senhor russo de antiga linhagem Kirila Pietróvitch Troiekurov. A sua riqueza, alta estirpe e boas relações davam-lhe muita importância na região em que se localizava a sua propriedade. Os vizinhos ficavam contentes de satisfazer-lhe os menores caprichos; as autoridades provinciais tremiam ao ouvir o seu nome; Kirila Pietróvitch aceitava as provas de subserviência como tributo que lhe fosse devido; a sua casa estava sempre cheia de convidados, prontos a divertir a sua ociosidade senhoril, e que tomavam parte em seus ruidosos e às vezes violentos divertimentos. (p. 61).

A interessantíssima novela “Dubróvski”, encontrada entre os papeis do autor, entrelaça três topoi: os labirintos e os absurdos do Judiciário, o bandido justiceiro e os amantes de famílias rivais.

Terá Púchkin tomado contato com a novela Michael Kohlhaas (1810) de Heinrich von Kleist (1777 – 1811)? Se não foi o caso, Kafka apreciou esse escritor alemão que, certamente, foi uma inspiração para o romance O processo. As filiações românticas em “Dubróvski” transparecem na imagem idealizada do protagonista e no desenvolvimento do enredo que leva a que os destinos dos amantes venham a cruzar-se, afora outras características.

A observação do cotidiano da vida provinciana da Rússia sob o regime da servidão dá especial interesse à novela e permite-nos contextualizar as inquietações social e política que percorrem a história do país no século XIX, com o desfecho que se seguiria no começo do século seguinte. Inquietações, aliás, que estiveram presentes na vida de Púchkin: instalado em São Petersburgo, após a conclusão de sua formação acadêmica, começou a trabalhar no Ministério de Relações Exteriores, em 1820, e envolve-se com movimentos reformistas; com a repressão do governo, sob o czar Alexandre I, o escritor é desterrado e, a serviço do general Ínzov, conhece o Cáucaso e a Crimeia, o que lhe dá um retrato da vida e dos costumes nessas regiões da Rússia.

A defesa da reforma social apresenta-se na novela na forma como o Narrador expõe a classe ociosa dos grãos-senhores, aqui representado pelo bronco, bossal e perverso Kirila Pietróvitch Troiekurov, e, como consequência, o ambiente opressivo da província por força do poder dos proprietários de terras. E o narrador, na tradição de intimidade com o leitor que vem do século XVIII, não esconde que toma partido e o seu propósito de expor as entranhas dessas estruturas de desigualdade:

Fez-se um silêncio profundo, e o secretário do tribunal passou a ler a resolução com voz sonora. Vamos transcrevê-la na íntegra, pois supomos que o leitor gostará de conhecer um dos meios pelos quais, na Rússia, podemos perder uma propriedade sobre a qual temos direitos indiscutíveis. (p. 70).

A respeito, surpreende a ousadia do Narrador de ocupar oito páginas da novela com uma sentença judicial, o que também é mostra daquela determinação, antes citada, de analisar o modus operandi do poder e da opressão no interior da Rússia.

*

A dama de espadas”, novela-título do volume, de 1831, serviu de base para a ópera homônima de Tchaikóvsky, de 1890 e tem, curiosamente, um longo histórico de adaptações para o cinema, como por exemplo, entre os longa-metragens, pelo diretor russo Yakov Protazanov (“Pikovaia dama”, 1916); por Fyodor Otsep, em uma produção francesa de 1937 (“La dame de pique”); por Thorold Dickinson, em uma produção inglesa de 1949 (“The queen of spades”; por Léonard Keigel, em uma produção francesa de 1965 (“La dame de pique”) e por Pavel Lungin, em uma produção russa recente, de 2016 (“Dama pik”). A primeira adaptação cinematográfica da novela ocorreu num curta-metragem russo, de 1910, sob a direção de Pyotr Chardynin.

Se se pode ver tons de Kleist em “Dubróvski”, “A dama de espadas”, contrariamente, pode ser entendido, guardadas as diferenças de época, estilo e intenções, como uma fonte inspiradora para Crime e castigo (1866), de Dostoiévski. Da mesma forma como na obra monumental posterior de seu conterrâneo, temos aqui um jovem - um engenheiro - ambicioso e amoral, Hermann, que, movido pela cobiça, idealiza e executa, minuciosamente, um plano para aproximar-se de uma condessa, de oitenta e sete anos, a fim de dela obter um mecanismo secreto para obter fortuna em jogo de cartas. Para atingir seu intento, Hermann não hesita em aproveitar-se da inocência de Ielisavieta Ivânovna (também identificada como Lisavieta ou Lísanka), pupila da condessa.

A trama, de feitio gótico, com elementos macabros e sobrenaturais, resvalando num pacto demoníaco, redunda numa tragédia.

Por meio de bela passagem com o recurso de discurso indireto livre, o Narrador extrai forte efeito dramático, arremessando o leitor para dentro da ansiedade e da angústia de Lisavieta:

Lisavieta Ivanôvna, ainda em traje de baile, estava sentada em seu quarto, imersa em profunda meditação. Assim que chegara, apressara-se a dispensar a criada sonolenta que lhe oferecera de má vontade os seus préstimos; disse-lhe que ia despir-se sozinha, e entrou trêmula no quarto, esperando encontrar ali Hermann, e não querendo encontrá-lo. Certificou-se, ao primeiro olhar, da sua ausência e agradeceu ao destino o obstáculo que impedira aquela entrevista. Sentou-se sem se despir, e começou a lembrar todas as circunstâncias que a arrastaram tão longe em tão pouco tempo. Não passaram ainda três semanas desde que ela vira da sua janelinha, pela primeira vez, aquele jovem, e já mantinha correspondência e ele conseguira dela uma entrevista noturna! (p. 171).

*

O chefe da estação

Quem não maldisse um dia os chefes de estação, quem não brigou com eles? Quem, num momento de furor, não lhes exigiu o livro fatal, para inscrever nele a sua inútil queixa contra a prepotência, a brutalidade e a incúria? Quem não os considera monstros da espécie humana, idênticos aos falecidos sub-amanuenses ou pelo menos aos bandoleiros de Múrom? Sejamos, todavia, justos e procuremos colocar-nos na sua posição, e talvez os consideremos então com muito maior condescendência. (p. 183)

Esse conto curto e singelo mostra, mais uma vez, a capacidade do escritor de voltar o olhar para as personagens simples das vastidões russas, no caso um Chefe de estação que mora com sua encantadora e jovem filha. Naquela época, essas estações eram postos nos quais se fazia a troca de cavalos, para que as carruagens pudessem seguir viagem, com animais descansados.
O chefe da estação” e os demais contos do volume apareceram nas Novelas do falecido Ivan Pietróvitch Biélkin (1830).
A narrativa, de tons melancólicos, é contada em primeira pessoa por um funcionário de “posto modesto” e nela acompanhamos a abrupta perda da inocência da menina – Avdótia, tratada afetivamente como Dúnia - a quem a vida do Chefe da estação é dedicada.
*

O tiro”, ficcionalizado a partir de elementos autobiográficos, mais uma vez segue a estrutura do conto anterior: uma personagem que está próxima aos fatos do enredo narra em primeira pessoa uma história em que outras personagens serão as protagonistas.

Num destacamento militar situado num lugarejo, Sílvio é o único civil que reside nas redondezas. O narrador é um jovem oficial que se impressiona com esse senhor de cerca de trinta e cinco anos e que tem incrível habilidade de atirador.

O conto é uma oportunidade de conhecer códigos culturais sinistros de sociedades fortemente estruturadas sobre o conceito de honra, como é o caso da Rússia à época de Púchkin; o próprio artista, lamentavelmente, foi vítima desses valores, em um duelo, como também, quatro anos depois, o seu pupilo e amigo Mikhail Liérmontov.

*

Os tons sombrios desfazem-se em “O fazedor de caixões”: contada em terceira pessoa é uma narrativa leve e bem-humorada, mostrando, assim, a versatilidade do autor.
O interesse de Púchkin pelas pessoas simples que ganham modestamente a vida nas mais distantes localidades da Rússia, o faz, aqui, retratar um agente funerário, extraindo daí situações em que, com habilidade, juntam-se o cômico e o macabro, bem à maneira das narrativas de sabor popular encontráveis em todas as culturas.

*

Kirdjali” é também um conto saboroso, narrado em terceira pessoa. O título é o nome da personagem retratada, líder de uma malta de salteadores: “(…) búlgaro de nascimento. Kirdjali, em turco, significa paladino, valente. Não sei o seu verdadeiro nome. // Kirdjali aterrorizava toda a Moldávia com o seus atos de banditismo.” (p. 221)
Kirdjali e seu bando põem os seus serviços à disposição das lutas insurrecionais dos povos da região, mas tendo em mente sempre, independentemente da causa, a oportunidade de auferir os melhores benefícios materiais. Apesar dos métodos violentos do bando, o conto é dirigido para impressionar o leitor com a astúcia de Kirdjali.

*

Encerra o volume uma seleta de poemas do patrono russo da poesia e das letras, que deixou um legado inestimável no percurso de uma vida tão breve. A pequena recolha faz brilhar a mente do leitor à vista da habilidade refinadíssima do versejador, da sua verve, espirituosidade e capacidade de fazer desfilar diante de nós pedras de toque com tanta profusão: pequenas joias de grande dimensão artística do imortal Púchkin.

Nicolau I

Há pouco é tsar e opera
milagres com afinco:
mandou já cento e vinte homens à Sibéria
e, ao cadafalso, cinco.

(1826?)

(p. 238)

*

Edição utilizada:
PÚCHKIN, Aleksanr. A dama de espadas. Prosa e poemas. 2ª ed., trad. Boris Schnaiderman e Nelson Ascher, São Paulo: Editora 34, 2006, prefácio de Boris Schnaiderman; texto nas duas orelhas: Aurora Bernardini; capa contém desenho a bico de pena de Púchkin, aquarelados por Cynthia Cruttenden. 264 pp. 14x21cm.



                 Biblioteca e mesa de trabalho de Púchkin em São Petersburgo

Imagens:
Púchkin”, de Orest Kiprensky, 1827, óleo sobre tela, 63x54cm. Galeria Tretyakov, Moscou.
http://artrussia.ru/en/picture_rarity/110
Auto-retrato de Púshkin, ca. 1820
http://www.saint-petersburg.com/famous-people/alexander-pushkin/

Biblioteca e mesa de trabalho de Púchkin em São Petersburgo
http://www.saint-petersburg.com/famous-people/alexander-pushkin/




A dama de espadas”: dueto de Hermann e Lisa, com Plácido Domingo e Galina Gorchakova, 1998; da ópera de Tchaikóvsky, de 1890.


terça-feira, 6 de junho de 2017


Memórias do subsolo, de Fiódor Dostoiévski

Um mergulho no subsolo do homem contemporâneo




                           Oswaldo Goeldi: “Luz Noturna”
 

Sou um homem doente... Um homem mau. Um homem desagradável. Creio que sofro do fígado. Aliás, não entendo níquel da minha doença e não sei, ao certo, do que estou sofrendo. Não me trato e nunca me tratei, embora respeite a medicina e os médicos. Ademais, sou supersticioso ao extremo; bem, ao menos o bastante para respeitar a medicina. (Sou suficientemente instruído para não ter nenhuma instrução, mas sou supersticioso.) Não, se não quero me tratar, é apenas de raiva. Certamente não compreendeis isto. Ora, eu compreendo. (p. 15).

*

Poucas vezes como aqui, nessa novela de Dostoiévski (Moscou, 11/11/1821 – São Petersburgo, 9/2/1881), a literatura ocidental terá atingido tal grau de radicalidade, seja no plano da forma dessa obra de arte, seja, quanto ao seu conteúdo, na sua capacidade de escavar o subsolo do homem e de sua época.

A força explosiva e paradoxal dessa obra inaugura a parte final da trajetória artística do escritor russo, em que se destacam os “cinco elefantes”, denominação dada aos grandes romances que terão papel central na literatura, na arte, na cultura e na filosofia: Crime e castigo (1865), O idiota (1869), Os demônios (1872), O adolescente (1875) e Os irmãos Karamázov (1881).

*

Em 1859, Dostoiévski readquire a liberdade, depois de dez anos de prisão, trabalhos forçados e exílio como pena por sua participação no Círculo Petrashevski, um grupo acusado de conspirar contra o czar Nicolau I. Essa dura experiência serviu de base para as Recordações da Casa dos Mortos (1862), obra que traz de volta ao autor reconhecimento do público, após o seu período de afastamento. Antes dessa obra e após o seu retorno à Rússia, publicara O sonho do Tio (1859), A aldeia de Stepántchikovo e seus habitantes (1859) e Humilhados e ofendidos (1861).
Entre 1862 e 1863, o escritor viajou pela Europa, passando por Berlim, Paris, Londres, Genebra, Turim, Florença e Viena, período em que perdeu muito dinheiro por vício em jogo, experiência que daria origem ao romance O jogador (1867)
Em 1864, finalmente, publica Memórias do subsolo, no jornal “Época”, que fundara com o seu irmão, Mikhail.

*

A novela, de caráter híbrido, tanto pela sua estrutura como pelos seus conteúdos ao mesmo tempo literário e filosófico, compõe-se de duas partes: “O subsolo” e “A propósito da neve molhada”, ambas narradas por um Narrador em primeira pessoa, do qual – começam aí as estranhezas - não sabemos o nome.

Em verdade, a originalidade da obra dá-se antes mesmo do início da narrativa: no primeiro trecho de uma nota introdutória, o escritor assinala que “tanto o autor como o texto destas memórias são, naturalmente, imaginários”.
Ou seja, o autor, de plano, ousadamente desvia-se da prática literária hegemônica até então, pela qual a obra literária se esforçava para exercer a “suspensão da desconfiança” do leitor. É justamente contra esse ilusionismo que, muito tempo depois, o dramaturgo, escritor, ensaista e encenador alemão Bertolt Brecht (1898 - 1956) desenvolveria teórica e artisticamente, no âmbito do “teatro épico”, a técnica por ele denominada de “efeito de estranhamento” (também conhecida como “efeito de distanciamento”), para estimular que o receptor assuma uma postura crítica diante da obra de arte.

Memórias do subsolo é também uma obra de combate, profundamente inserida nas discussões e nos impasses da sociedade russa do seu tempo, às voltas com as tentativas, por um certo setor da intelligentsia, de criar no país as condições para um aggiornamento fértil para uma revolução ou modernização burguesas. O autor, crítico a essa tendência e da sociedade que começa a se moldar por força dessas transformações, vai além desse contexto, contudo, dando matizes filosóficos a esse debate, absorvido indiretamente para dentro da narrativa, sempre por meio da “tagarelice” crispada e raivosa do protagonista, notadamente na primeira parte da novela.

Tagarela, como ele próprio se denomina, irreverente, corrosivo, sarcástico, autodestrutivo, anárquico, contraditório, oscilando entre arroubos e o patético, o Narrador conta com quarenta anos no momento em que redige as suas memórias, dirigindo-se a interlocutores, frequentemente designados como “meus senhores”, todavia não identificados.
Na rica linhagem dos pobres-diabos da literatura russa, o Narrador foi um órfão criado por parentes distantes e dos quais não teve mais notícias.
Desde os primeiros anos escolares, as recordações que lhe vêm são aquelas que o perseguiriam por toda a vida: sentir-se dessemelhante, ter desprezo por aqueles que o rodeiam e, por via de consequência, o sentimento de superioridade em relação ao seu meio social (cf. pp. 81-83).


                              São Petersburgo, 1895


Fiz parte do funcionalismo a fim de ter algo para comer (unicamente para isto), e quando, no ano passado, um dos meus parentes afastados me deixou seis mil rublos em seu testamento, aposentei-me imediatamente e passei a viver neste meu cantinho. Já antes disso vivi aqui, mas agora instalei-me nele. Tenho um quarto ordinário nos arredores da cidade. A minha criada é uma aldeã velha, ruim por estupidez, e, além disso, cheira sempre mal. Dizem-me que o clima de Petersburgo está-me prejudicando e que, para os meus insignificantes recursos, a vida aqui é muito cara. Sei disso; sei melhor que todos estes conselheiros e protetores experimentados e sábios. Mas ficarei em Petersburgo; não deixarei esta cidade! Não a deixarei porque... Eh! Mas, na realidade, me é de todo indiferente o fato de que a deixe ou não.
Dizei-me: de que pode falar um homem decente, com o máximo prazer?
Resposta: de si mesmo.
Então, também vou falar de mim. (pp. 17-18).


Ao tratar de si, como se propõe, o Narrador dirigirá, em verdade, radicalmente, o seu olhar para os fundamentos - o subsolo - do sujeito, da sociedade e da cultura de sua época, em uma crítica tão aguda que, certamente, está ainda carregada de atualidade. Ademais, a tagarelice reflexiva do Narrador impressiona duplamente, uma vez que essa nova sociedade, florescente na Europa ocidental, era ainda muito embrionária na Rússia de meados do século XIX e, por outro lado, a visão crítica dessa nova formação social ainda estava nascente em outros campos do conhecimento, na Filosofia, na História, na Sociologia ainda em formação.

Se a radicalidade desse olhar já parece ousada na década de 60 do século XIX, que se dirá do próprio questionamento desse olhar?

Eis o que seria melhor mesmo: que eu próprio acreditasse, um pouco que fosse, no que acabo de escrever. Juro-vos, meus senhores, que não creio numa só palavrinha de tudo quanto rabisquei aqui! Isto é, talvez eu creia, mas, ao mesmo tempo, sem saber por quê, sinto e suspeito estar mentindo como um desalmado. (p. 51).

Estais rindo? Fico muito contente. Os meus gracejos, senhores, são naturalmente de mau gosto, desiguais, incoerentes, repassados de autodesconfiança. Mas isto realmente ocorre porque eu não me respeito. Pode porventura um homem consciente respeitar-se um pouco sequer? (p. 28).
 
Opondo-se às propostas para amoldar a sociedade e a cultura russas de forma a criarem-se as condições para a revolução industrial, o Narrador investe duramente contra os efeitos dessas transformações: a alienação, a consciência fragmentada e o positivismo.

Repito, repito com insistência: todos os homens diretos e de ação são ativos justamente por serem parvos e limitados. Como explicá-lo? Do seguinte modo: em virtude de sua limitada inteligência, tomas as causas mais próximas e secundárias pelas causas primeiras e, deste modo, se convencem mais depressa e facilmente que os demais de haver encontrado o fundamento indiscutível para a sua ação e, então se acalmam; e isto é de fato o mais importante. Para começar a agir, é preciso, de antemão, estar de todo tranquilo, não conservando quaisquer dúvidas. E como é que eu, por exemplo, me tranquilizarei? Onde estão as minhas causas primeiras, em que me apoie? Onde estão só fundamentos? Onde irei buscá-los? Faço exercício mental e, por conseguinte, em mim, cada causa primeira arrasta imediatamente atrás de si outra, ainda anterior, e assim por diante, até o infinito. Tal é, de fato, a essência de toda consciência, do próprio ato de pensar.” (p. 30).

A implicância do Narrador com a sociedade do cálculo garante momentos memoráveis, que beiram o cômico. Para ele, a razão, puramente, não dá conta do imponderável da alma humana e até mesmo do irracional e do sombrio que espreitam tudo o que é humano.

Suponhamos que o homem não faça outra coisa senão procurar este dois e dois são quatro: ele atravessa os oceanos a nado, sacrifica a vida nesta busca, mas, quanto a encontrá-lo realmente... juro por Deus, tem medo. Bem que ele sente: uma vez encontrado isto, não haverá mais o que procurar. Operários que terminam uma tarefa com certeza recebem dinheiro e vão a um botequim , acabando no distrito policial – bem, aí estão ocupações para uma semana. Mas o homem para onde irá? Percebe-se nele constantemente algo de inábil toda vez que atinge tais objetivos. Ele ama o ato de alcançar, mas, alcançar, de fato, nem sempre. E isto, está claro, é ridículo ao extremo. Numa palavra, o homem está arranjado de modo cômico; em tudo isso, provavelmente, há um trocadilho. Mas dois e dois são quatro é, apesar de tudo, algo totalmente insuportável. Dois e dois são quatro constitui, a meu ver, simplesmente uma impertinência. Dois e dois fica feito um peralvilho, atravessado no vosso caminho, as mãos nas cadeiras, cuspindo. Estou de acordo em que dois e dois são uma coisa admirável; mas, se é para elogiar tudo, então dois e dois são cinco também constitui, às vezes, uma coisinha simpática. (p. 47).

Na segunda parte - “A propósito da neve molhada” - desenvolve-se, propriamente, o segmento dramático da narrativa. Registre-se, a propósito, outro aspecto importante da novela: o Narrador não é um observador distante dos fenômenos que delineia e critica; o seu próprio ser é um campo de batalha das tensões e contradições do novo sujeito que se insinua na sociedade russa em transformação. Tudo isso ficará claro e adquirirá tons dramáticos nessa parte final da novela.

Os acontecimentos narrados na segunda parte ocorrem dezesseis anos antes do momento em que o Narrador redige as suas memórias e têm o seu clímax quando do encontro com a prostituta Liza, depois de algumas peripécias envolvendo a busca – carregada de elementos contrastivos: desespero, desprezo pelos semelhantes, auto-humilhação – de relacionamento social com colegas de trabalho e antigos colegas de escola.
No curto envolvimento com Liza, o entrechoque extremo de forças contrárias na interioridade do Narrador, ou seja, os impulsos autodestrutivos convivendo com a compulsão para “tiranizar e dominar moralmente”, conduzem a narrativa para um desfecho de alta tensão, em que não subsistem quaisquer resíduos de sentimentalismo romântico.

Inicia-se, assim, um novo capítulo na história da literatura.


                              Dostoiévski, aos 41 anos


Da obra: Zapíski iz podpólia.
Edição utilizada:
Fiódor Dostoiévski – Memórias do subsolo. Trad., prefácio, notas de Boris Schnaiderman, 6ª ed., São Paulo: Editora 34, 2009. 152 pp., 2ª reimpressão, 2015. Coleção Leste, sob direção de Nelson Ascher. 
Contém breves excursos biográficos do autor e do tradutor. Texto nas duas orelhas: Manuel da Costa Pinto. Imagem da capa: a partir de desenho a bico de pena de Oswaldo Goeldi, ca. 1946. 21x14cm.
ISBN 978-85-7326-185-1


*

Imagens:
Xilogravura de Oswaldo Goeldi: “Luz Noturna”, ca. 1960, xilogravura póstuma, coleção particular.
https://revistacontemporartes.blogspot.com.br

São Petersburgo, 1895 (?), de P. I. Babkina.
Título: Nevskii prospekt u Gostinago Dvora.
New York Public Library
https://digitalcollections.nypl.org

Retrato do autor
http://www.fyodordostoevsky.com



 

Sofia Gubaidulina (Rússia, 1931) - “Sonata para contrabaixo e piano”.

Krems, Viena, Áustria, 6 de abril de 2012.
Imago Dei – Festival de Música Contemporânea
Daniele Roccato, contrabaixo; Fabrizio Ottaviucci, piano.
 

domingo, 5 de março de 2017


Vozes de Tchernóbil, de Svetlana Aleksiévitch

Testemunhos sobre a maior catástrofe tecnológica do séc. XX

 



Fotos dos trabalhadores que atuaram na Central Elétrica de Tchernóbil logo após as explosões. Museu Tchernóbil, Kiev


Das alturas, a quantidade de máquinas era surpreendente: helicópteros pesados e médios. O MI-24 é um helicóptero de combate. O que se podia fazer com um helicóptero de combate em Tchernóbil? Ou com um caça MI-2? Os pilotos, todos eram jovens... E ali estavam, no bosque, junto ao reator, recebendo roentgen. Ordens! Ordens militares! Mas para que enviar até lá tamanha quantidade de gente para se contaminar? Para quê? (Passa a gritar.) Faltavam especialistas e não material humano.

De cima... podíamos ver um prédio destruído, montes de cacarecos despedaçados. E uma quantidade gigantesca de pequenas figuras humanas. Havia um guindaste da Alemanha Federal, mas morto; percorreu um pouco o teto e morreu. Os robôs morriam. Os nossos robôs foram construídos pelo acadêmico Lukatchóv para explorar Marte. Havia também robôs japoneses com aparência humana. Mas via-se que queimavam por dentro devido à alta radiação. Por outro lado, os soldadinhos correndo nos seus trajes e luvas de borracha, estes funcionavam. Tão pequenos, vistos do céu.

Eu me lembro de tudo, pensava no que contar ao meu filho. Mas quando voltei, ele perguntou: “Papai, o que aconteceu lá?”.

Uma guerra.” Não encontrei outra palavra. (Do capítulo: “Coro de soldados”, pp. 121-122).


*



Às 1h23min58s do dia 26 de abril de 1985, duas explosões destruíram o reator e o prédio do quarto bloco da Central Elétrica Nuclear de Tchernóbil, uma cidade na região central da Ucrânia e a 110 km da capital, Kiev. Seguiram-se outras explosões em decorrência da liberação de vapor, lançando na atmosfera 50 x 10 elevado à sexta potência Ci de radionuclídeos. Belarús foi o país mais atingido: 23% do seu território está contaminado por radionuclídeos de densidade superior a 1 Ci/km2 de césio-137, em comparação com 4,8% da Ucrânia e 0,5% da Rússia.



Foi o maior desastre nuclear do século XX não associado a uma guerra.



As autoridades da antiga União Soviética esconderam a tragédia, até que, dois dias depois, técnicos da Suécia, a 1.600km de distância, detectaram níveis anormais de radiatividade que, pelas suas observações, provinham da URSS e exigiram uma manifestação dos soviéticos.



Níveis elevados de radiação eram observados, no dia 29, na Polônia e na Alemanha, na Áustria e na Romênia; no dia 30, na Suíça e no norte da Itália; nos dias 1° e 2 de maio, na França, na Bélgica, na Holanda, na Grã-Bretanha e no norte da Grécia e no Japão; no dia 3, em Israel, no Kuwait e na Turquia; no dia 4, na China; no dia 5, na Índia; nos dias 5 e 6, nos EUA e no Canadá.



Nos dias e semanas seguintes, cento e trinta e cinco mil pessoas foram evacuadas de Tchernóbil, de Prípiat – cidade nas proximidades, surgida nos anos setenta, quando começou a ser construída a Central nuclear, e que abrigava os cientistas, técnicos e demais trabalhadores da Central – e das aldeias da região, num raio de trinta quilômetros de Tchernóbil. Todas essas localidades tornaram-se regiões-fantasma.



Trinta e um bombeiros e outros trabalhadores morreram no dia da explosão. A quantidade total de vítimas que morreram nos dias, semanas e anos seguintes, de pessoas que desenvolveram doenças associadas à radiação e de bebês que nasceram com deformidades é motivo de controvérsia. Há dez anos atrás, o Relatório TORCH (“The other report on Tchernobil”) estimou entre 30 a 60 mil a quantidade de vítimas fatais de câncer, aos quais ainda seria necessário incluir as vítimas de outras patologias associadas ao acidente, como cataratas e moléstias cardiovasculares (1).



Cerca de trezentos e quarenta mil militares foram destacados após o acidente e nos meses seguintes, juntamente com uma outra quantidade de civis, voluntários ou convocados – conhecidos como “liquidadores” -, para atuar nos trabalhos de descontaminação. Os mais sacrificados foram os três mil e seiscentos que passaram pelo teto do reator, na ação emergencial para conter o vazamento de material radiativo. Todas essas pessoas não tinham proteção adequada.



Não bastasse, por si só, a magnitude do evento, a catástrofe adquire uma outra dimensão histórica, se se entende que, pela sua extensão e pela forma como escancarou as contradições do regime, Tchernóbil foi um fator acelerador da decomposição do bloco soviético e, consequentemente, do socialismo real que lhe dava a base ideológica.



*



Os valores e a natureza do regime soviético e, por fim, o seu declínio e dissolução, a maior utopia do século XX, foram objeto da investigação de toda uma vida da jornalista e escritora Svetlana Aleksiévtich (Ivano-Frankovsk, Ucrânia, 31/5/1948) (pronuncia-se aproximadamente “Izvêtlana Aléksievitch”), que foi viver na Bielorrússia depois que o seu pai terminou o serviço militar.



A Academia Sueca reconheceu a importância dos documentos históricos produzidos pela jornalista e escritora ucraniana, outorgando-lhe, em 2015, o Prêmio Nobel de Literatura. Por ocasião do anúncio, a secretária da Academia divulgou nota, em que consta a descrição da escrita de Svetlana Aleksiévtich como “um monumento ao sofrimento e à coragem no nosso tempo”.



Na trilha do gênero que o bielorusso Alés Adamóvitch (1927 – 1994), seu professor e inspirador, denominou de “romance coletivo” ou “coro épico”, Svetlana Aleksiévitch optou por fazer a sua investigação sobre a grande História na forma de coleta de depoimentos e testemunhos – a pequena História ou o fragmento vivido - de homens e mulheres que viveram os eventos.



E assim é em Vozes de Tchernóbil: o livro consiste tão somente nos relatos dos militares, liquidadores, burocratas (poucos), cientistas, mães e camponeses que participaram ou foram atingidos pelas consequências da catástrofe, coletados dez anos após o acidente. Com a única exceção de um breve capítulo em que a autora faz, originalmente, uma entrevista consigo mesma.



No decorrer da leitura, o intento da autora atinge o seu efeito sobre o leitor: o coro de vozes compõe, crescentemente e por fim, um painel do cotidiano e dos valores que moviam o homem soviético, permitindo entrever, não obstante a fé no regime continuasse viva e vigorosa na consciência do homem e da mulher comuns, as fissuras no regime que o episódio Tchernóbil pôs a nu.



A conjunção de tudo isso, numa escala trágica muito alargada, em adição ao fato de que as pessoas estavam, a todo momento, bombardeadas pela propaganda do regime – a ameaça potencial do inimigo, dos sabotadores, dos espiões etc – deixa, em muitos dos narradores que aparecem na obra, uma sensação de impotência para entender e categorizar a violenta ruptura que estava acontecendo em suas vidas, uma vez que, agora, o suposto inimigo era invisível e silencioso e, apesar disso, levando à morte ou a graves moléstias seus entes queridos e expulsando-os bruscamente da terra onde viviam seus ascendentes desde tempos imemoriais.



A nossa mãe nos ensinava: “Vocês têm que aprender isso, crianças. Eu também aprendi com a minha mãe”. A gente bebia suco de bétula e de bordo: beriózovik e klenóvik. Púnhamos a vagem sem debulhar no caldeirão de ferro e cozinhávamos no fogão grande. Fazíamos geleias de frutas silvestres... E durante a guerra, a gente colhia urtigas, espinafre da montanha e outras ervas. O corpo inchava de fome, mas não dava para morrer. Havia frutas no bosque, havia cogumelos... E agora essa vida, tudo está destruído. E a gente pensava que tudo aquilo era indestrutível, que seria assim para sempre. Que tudo que se cozinhava na panela era eterno. Eu nunca acreditaria que isso ia mudar.



Anna Petróvna Badáieva, residente na zona contaminada (p. 85).


                               
                          Svetlana Aleksiévtich
 
_____

(1) Cf. “Lobbies obscurecem dimensão de Tchernobil”, Herve Kempf, do Le Monde, Folha de S. Paulo, 26/4/2006, caderno Mundo, p. 14.


As páginas das citações correspondem à edição da obra no Brasil:
Svetlana ALIEKSIÉITCH – Vozes de Tchernóbil - crônica do futuro. Trad. do russo Sônia Branco, São Paulo, Companhia das Letras, 2016 (383 pp., brochura, 14 x 21cm, ISBN 978-85—359-2708-5; apêndice: “A batalha perdida”, discurso proferido pela autora em 7 de dezembro de 2015, na Academia Sueca, Estocolmo, em cerimônia do Prêmio Nobel de Literatura).
Orig.: Чернобыльская молитва. Moscou, Ostozhye, 1997.

A Companhia das Letras já publicou da autora também:
__________ - A guerra não tem rosto de mulher. Trad. Cecília Rosas, 2016 (392 pp.).

__________ - O fim do homem soviético. Trad. Lucas Simone, 2016 (600 pp.).

Svetlana Aleksiévitch esteve no Brasil em 2016, participando, entre outras atividades, da FLIP – Feira Literária Internacional de Paraty.

*

Imagens:
Trabalhadores de Tchernóbil:
https://www.theatlantic.com/photo/2011/03/the-chernobyl-disaster-25-years-ago/100033/

Svetlana Aleksiévitch:
http://www.alexievich.info/PhotsEN.html

__________


Três hinos sacros” (1983 – 1984), de Alfred Schnittke (Engels, Rússia, 1934 – Hamburgo, Alemanha, 1998), na interpretação do Sofia Vokalensemble, em apresentação de 12 de outubro de 2014.