23 de abril: Dia mundial do Livro e do Direito do Autor
Jorge de Lima. Invenção de Orfeu
Jorge de Lima. "O nome da musa".
Canto I
III
E
depois das infensas geografias
e
do vento indo e vindo nos rosais
e
das pedras dormidas e das ramas
e
das aves nos ninhos intencionais
e
dos sumos maduros e das chuvas
e
das coisas comidas nessas coisas
refletidas
nas faces dos espelhos
sete
vezes por sete renegados,
reinventamos
o mar com seus colombos,
e
columbas revoando sobre as ondas,
e
as ondas envolvendo o peixe, e o peixe
(ó
misterioso ser assinalado),
com
linguagem dos livros ignorada:
reinventamos
o mar para essa ilha
que
possui "cabos-não" a ser dobrados
e
terras e brasis com boa aguada
para
as naves que vão para o oriente.
E
demos esse mar às travessias
e
aos mapas-múndi sempre inacabados;
e
criamos o convés e o marinheiro
e
em torno ao marinheiro a lenda esquiva
que
ele quer povoar com seus selvagens.
Empreendemos
com a ajuda dos acasos
as
travessias nunca projetadas,
sem
roteiros, sem mapas e astrolábios
e
sem carta a El-Rei contando a viagem.
Bastam
velas e dados de jogar
e
o salitre nas vigas e o agiológio,
e
a fé ardendo em claro, nas bandeiras.
O
mais: A meia quilha entre os naufrágios
que
tão bastantes varram os pavores.
O
mais: Esse farol com o feixe largo
que
tão unido varre a embarcação.
Eis
o mar: era morto e renasceu.
Eis
o mar: era pródigo e o encontrei.
Sua
voz? Ó que voz convalescida!
Que
lamúrias tão fortes nessas gáveas!
Que
coqueiros gemendo em suas palmas!
Que
chegar de luares e de redes!
Contemos
uma história. Mas que história?
A
história mal-dormida de uma viagem.
Jorge de Lima
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Poema extraído de:
Jorge de Lima. Invenção de Orfeu. São Paulo: Cosac Naify, 2013, pp. 19-21.
Obra publicada originalmente em 1952.
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Fonte das imagens:
"O nome da musa".
abca.art.br
Trata-se de uma das fotomontagens do próprio poeta Jorge de Lima.
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Retrato de Jorge de Lima:
agenciaalagoas.al.gov.br