sábado, 22 de dezembro de 2018

Pais e filhos, de Ivan Turguêniev

No bicentenário do grande escritor russo


Иван Сергеевич Тургенев
Отцы и дети


                                                               Konstantin Yegorovitch Makovsky, "Retrato de um homem"

- E então, Piotr, nada ainda? - perguntou, no dia 20 de maio de 1859, ao sair sem chapéu para a varandinha baixa de uma estação de muda de cavalos na estrada de ***, um fidalgo de uns quarenta e poucos anos, de casaco empoeirado e calça xadrez, ao seu criado, um jovem bochechudo com uma penugem esbranquiçada no queixo e uns olhinhos opacos.
O criado, em quem tudo, o brinco azul-turquesa em uma orelha, os cabelos multicolores e empomadados, os gestos corteses, em suma, tudo acusava um homem de uma geração moderna e sofisticada, olhou para a estrada com ar condescendente e respondeu:
     - Nada, nem sombra.
     - Não vê nada? - repetiu o fidalgo.
     - Nada – respondeu pela segunda vez o criado.
O fidalgo deu um suspiro e sentou-se num banquinho. Enquanto está sentado sobre as próprias pernas dobradas e lança olhares pensativos em redor, vamos apresentá-lo ao leitor. (p. 19).


Pais e filhos (1862) traz muitas recompensas ao leitor: o contato com um importante representante da literatura russa da segunda metade do século XIX, o romancista, contista, poeta, dramaturgo e tradutor Ivan Serguêievitch Turguêniev (Oriol, Império Russo, 9/11/1818 – Bougival, Seine-et-Oise, França, 3/9/1883), o primeiro escritor russo a gozar de prestígio na Europa ocidental; o contato com a sua obra-prima, não obstante esse romance, pelo seu caráter polêmico, como se verá a seguir, tenha causado ao autor muitos dissabores que se estenderam até fim o fim da sua vida – registre-se, aliás, que os debates e embates em torno do presente romance, os maiores de toda a literatura russa, ultrapassaram as fronteiras do século, chegando até mesmo à Rússia soviética; por fim, mas não menos relevante, em Pais e filhos revela-se a genialidade de um artista que, por meio de um enredo aparentemente singelo envolvendo poucas personagens, conseguiu captar a História a quente, a saber, a fase inicial de um período de grande turbulência política no Império Russo, com reflexos em todos os demais âmbitos do país: na economia, na sociedade, na intelectualidade, na vida cultural, nas artes em especial. É conveniente, a propósito, partir desse contexto.


O Império Russo após a Guerra da Crimeia
Se o período posterior ao levante dezembrista de 1825 (a respeito, v. nesse blog a postagem sobre o romance Um herói do nosso tempo, de Mikhail Liérmontov) foi marcado pela sensação de estagnação, em consequência da severa repressão imposta pelo czar Nicolau I ao movimento rebelde, todas as tensões até então reprimidas vêm à tona com a crise decorrente da Guerra da Crimeia (1853 - 1856), que foi decorrência conjunta dos interesses das potências europeias e do declínio do Império Otomano. O Império Russo foi arrastado ao conflito militar por esse complexo xadrez geopolítico, mas o fato é que a guerra em si, seus pesados custos humanos e materiais, a que se adiciona um Tratado, que encerrou as hostilidades, extremamente desfavorável ao Império Russo, com perdas territoriais, perda dos direitos navais no mar Negro, do direito de passagem por mar para o Mediterrâneo e do protetorado sobre os cristãos ortodoxos nos territórios otomanos, tudo isso, essa perda de influência e de prestígio, calou fundo principalmente na intelectualidade, nas camadas médias, nos burocratas e em certas parcelas da pequena nobreza.

Outros elementos de diversas naturezas colaboraram para elevar a peculiaridade desse movimento de agitações: durante a Guerra, em 1855, morreu Nicolau I, sucedido pelo czar Alexandre II, mais aberto às manifestações da sociedade, o que possibilitou uma distensão do regime repressivo anterior e, assim, uma maior circulação de ideias e abertura ao debate público, justamente em meio à crise econômica causada principalmente pelos custos com a guerra e pela elevação dos impostos e preços. Nesse mesmo período da Guerra e nos anos imediatamente posteriores, houve tensão social no campo, como fruto de diversas revoltas de camponeses, em reação às duras condições em que trabalhavam e viviam nas propriedades dos senhores de terras. Frise-se, aliás, que foi justamente a coletânea de contos Memórias de um caçador (1852), de Turguêniev, que colocou em evidência para as camadas letradas as ásperas condições de vida dos servos e as injustiças e humilhações a que eram submetidos.
Pois foi exatamente no período de escrita de Pais e filhos, entre os anos de 1860 e 1862, iniciando o período das Grandes Reformas de Alexandre II – uma forma de resposta às turbulências social e política -, que ocorreu a abolição da servidão, em 1861.




                                                               Konstantin Yegorovitch Makovsky, “Retrato de Lucien Guitry”
Populismo e niilismo na Rússia da década de 1860
As raízes do radicalismo na Rússia Imperial da segunda metade do século XIX, movimento que ficou conhecido como populismo, repousam no descompasso deste país, com industrialização muito incipiente e vidas social, econômica e política estruturadas sobre a realidade hegemônica das grandes propriedades rurais, com as aceleradas transformações da Revolução Industrial, com toda a razão instrumental que lhe serve de apoio, pelas quais passavam os países da Europa ocidental.

Grande parte do debate intelectual no Império Russo no século XIX, notadamente após o movimento dezembrista, é tomado pela oposição entre os ocidentalistas e os eslavófilos, o que reflete, de certa maneira, tensões de longa duração na cultura russa, advindas do entrechoque entre visões ou mais suscetíveis às ideias europeias ou às tradições orientais, principalmente, nesse último caso, por força da religiosidade cristão ortodoxa.

O populismo russo foi um movimento social amplo e, por isso mesmo, heterogêneo em suas bases doutrinárias, muito influente principalmente nas décadas de sessenta e setenta do século XIX, que atua sob inspiração sobretudo de ideólogos e reformadores radicais e socialistas (anteriores a Marx e Engels) europeus ou publicistas russos que abrigavam esses novos ideários, como, por exemplo, Proudhon, Saint Simon, Fourier e Herzen.

Para Isaiah Berlin, “a exemplo de seus antecessores, os conspiradores dezembristas da década de 1820, e os círculos que se reuniram em torno de Aleksandr Herzen e Bielinski nos anos 30 e 40, [os populistas russos] encaravam o governo e a estrutura social de seu país como uma monstruosidade moral e política, obsoleta, bárbara, estúpida e odiosa, e dedicaram suas vidas à sua completa destruição” (2).
Completa destruição”: o populismo russo foi um movimento enragé, adepto da ação direta, anti-sistema e reativo à paralisia da institucionalidade – Governo e Partidos – e sua incapacidade de reformar as várias instâncias da vida russa, com o fim de trazer igualdade e justiça sociais, eliminando, assim, a miséria e a opressão sobre os despossuídos, que, no caso do Império Russo, eram, basicamente, os camponeses, pois o operariado era uma porção ainda pouco significativa do universo dos trabalhadores.

A concepção de prática politica do populismo, por meio da ação direta, atingirá a sua culminância em 13 de março de 1881 com um atentado a bomba, cuidadosamente planejado e executado, vitimando o czar Alexandre II, após o que se seguirá um declínio do movimento.
Os adeptos do populismo dedicavam uma devoção e idealização do campesinato, de sua vida natural e da organização comunitária, nos quais viam a essência dos valores do país, ao mesmo tempo que depositavam a crença de que a ciência e a tecnologia deveriam ser absorvidas pelo Império Russo, sem a alienação a que o homem fora levado nos países em que ocorrera a Revolução Industrial.

Delineia-se, dessa forma, portanto, o quadro em que se insere Pais e filhos: a geração da década de sessenta não crê mais nas soluções do liberalismo da geração da década de 40. Bazárov, protagonista do presente romance, uma das grandes personagens da literatura russa, personifica, com a sua impetuosidade no limite da arrogância e desprezo, essa nova geração que quer por abaixo radicalmente as estruturas carcomidas do Império Russo.


                                       Konstantin Yegorovitch Makovsky, “Retrato de uma jovem senhora com laçarote rosa”


Gerações em embate em Pais e filhos
Em Turguêniev insinuam-se muitos elementos que viriam a caracterizar a literatura da modernidade. O escritor passava largas temporadas na Europa ocidental, em contato constante com os grandes escritores e, portanto, com as tendências contemporâneas da literatura europeia. Era muito próximo de Flaubert, entre outros escritores e artistas. Em Pais e filhos, por exemplo, já se percebe uma rarefação do enredo; a fabulação exuberante, frequentemente associada ao Romantismo, aqui cede lugar à exposição e ao estudo de caracteres, principalmente por meio dos diálogos, nos quais Turguêniev é um mestre. Daí a relevância do protagonista, Ievgueni Vassílievitch Bazárov, no qual o autor procura concentrar muitos dos aspectos que estavam em jogo naquele momento histórico: jovens estudantes movidos por um impulso radical de contestar a realidade russa.

No começo do romance, narrado em terceira pessoa, Nikolai Petróvitch Kirsánov, agrônomo e senhor de terras decadente da pequena aristocracia, aguarda a chegada do seu filho Arkádi, vindo da Universidade. Ele chega acompanhado de Bazárov, filho de um militar médico e também ele estudante de Medicina, a quem Arkádi se coloca como um admirador e discípulo.

Tão logo pai, filho e seu amigo chegam à casa dos Kirsánov, o Narrador já expõe uma cena em que se sintetiza a tensão sobre a qual a narrativa se desenvolverá:

O coração de Arkádi encolheu-se um pouco. Como que de propósito, todos os mujiques que encontrava estavam esfarrapados e montavam pangarés deploráveis; como indigentes em andrajos, alguns salgueiros descascados e de galhos partidos margeavam a estrada; vacas descarnadas, enrugadas, como se fossem só pele e osso, tosavam esfomeadas o capim das valas. Parecia que haviam acabado de escapar de garras terríveis e mortíferas – e, despertado pelo aspecto lastimável das criaturas exauridas em meio àquele radioso dia de primavera, ergueu-se o espectro branco do inverno desolador e interminável, com suas tempestades de neve, de gelo e suas ondas de frio… “Não”, pensou Arkádi, “esta não é uma região rica, não impressiona nem pela fartura, nem pela dedicação ao trabalho; não é possível, não é possível que continue assim, reformas são imprescindíveis… mas como executá-las, como dar o primeiro passo?” (p. 32).

Causará impacto, ao longo do romance, como Bazárov, um niilista – é assim que Arkádi qualifica o amigo, ao apresentá-lo ao tio – irá se postar e emitir a sua opinião a respeito desse quadro de desolação social e econômica, criticando, de forma contundente, a aristocracia, a sua mentalidade e os seus modos, a tudo isso opondo a superioridade da ciência e da técnica e investigação metódicas.

Nikolai tem alma bondosa e adota uma postura de curiosidade em relação a Bazárov; não é o caso do tio de Arkádi, Pável Petróvitch Kirsánov, que representa, por excelência, a geração de 40, e com o qual Bazárov terá duras e ácidas discussões.

- Ele é um niilista – repetiu Arkádi.
(…)
- Digamos: que não respeita nada – emendou Pável Petróvitch e novamente se pôs a passar manteiga no pão.
- Aquele que considera tudo de um ponto de vista crítico – observou Arkádi.
- E não é a mesma coisa? - indagou Pável Petróvitch.
- Não, não é a mesma coisa. O niilista é uma pessoa que não se curva a nenhuma autoridade, que não admite nenhum princípio aceito sem provas, com base na fé, por mais que esse princípio esteja cercado de respeito. (pp. 46 – 47).

- Aristocratismo, liberalismo, progresso, princípios – dizia Bazárov, enquanto isso. - Vejam só! Quantas palavras estrangeiras e inúteis! O homem russo não necessita delas, não as quer nem de graça.
- E do que ele necessita, na opinião do senhor? A julgar pelo que o senhor nos diz, estamos simplesmente fora do âmbito humano, além de suas leis. Queira perdoar, mas a lógica da história exige que…
- Ora, e de que serve essa lógica? Podemos passar muito bem sem ela.
- Como assim?
- Assim mesmo, ora. O senhor, eu creio, não necessita de lógica para por um pedaço de pão dentro da boca quando tem fome. Para que servem essas abstrações?
Pável Petróvitch sacudiu as mãos.
- Não o entendo, depois disso. O senhor insulta o povo russo. Não entendo como é possível não reconhecer os princípios, as normas! Em que o senhor fundamenta suas ações?
- Já lhe disse, titio, que nós não reconhecemos as autoridades – interveio Arkádi.
- Nossas ações se fundamentam naquilo que julgamos útil – declarou Bazárov. - Nos tempos atuais, o mais útil é a negação: nós negamos.
- Tudo?
- Tudo.
- Como assim? Não só a arte, a poesia… mas também… é horrível dizê-lo…
- Tudo – repetiu Bazárov, com indescritível serenidade. (pp. 84 – 85).

A esse plano, de oposições ideológicas, justapõe-se e entrelaça-se outro, o das oposições amorosas. E, com isso, o escritor, com argúcia, alça o seu romance a outro patamar, apesar das polêmicas que o romance gerou.

Não foi por acaso que Pais e filhos obteve uma quase unanimidade de críticas negativas, à esquerda, ao centro e à direita. O fato de ter mantido a sua visão pessoal com esse romance, não se alinhando claramente a nenhuma das correntes ideológicas de seu tempo, em uma trajetória, até o final da redação da obra, não isenta, é certo, de hesitações, causou-lhe grandes dissabores até o final de sua vida.

Isaiah Berlin dá a devida dimensão do impacto de Pais e filhos no debate entre os intelectuais e publicistas da época, mesmo durante a redação da obra, tendo em vista o autor ter antecipado trechos do romance a algumas pessoas do seu círculo íntimo, entre os quais o seu editor, com o qual, posteriormente, viria a romper:

Aqueles que ainda o consideram um artista desengajado, acima das batalhas ideológicas, poderão ficar surpreendidos ao saber que ninguém, em toda a história da literatura russa e, talvez, da literatura em geral, foi tão feroz e continuamente atacado quanto Turguêniev, não só pela direita, como também pela esquerda. Dostoiévski e Tolstói tinham opiniões muito mais violentas, mas eram figuras temíveis, profetas irados, tratados com nervoso respeito mesmo por seus mais encarniçados adversários. Turguêniev não era de modo algum temível; amável, cético, “bom e mole como cera”, era por demais cortês e confiava muito pouco em si mesmo para assustar quem quer que fosse. Não encarnava nenhum princípio claro, não advogava doutrinas, não tinha panaceias para as “malditas questões”, conforme passaram a ser denominadas, fossem elas pessoas ou sociais.

E adiciona mais adiante:

É bem verdade que Tolstói jamais nos deixa em dúvidas a respeito de quem ele prefere e a quem condena; Dostoiévski não oculta o que considera ser o caminho da salvação. No meio desses grandes e atormentados Laocoontes, Turguêniev permaneceu cauteloso e cético. O leitor é deixado em suspenso, num estado de dúvida. (2)

Ressalta-se, assim, a postura de Turguêniev, pela autonomia da obra de arte, que prenuncia a modernidade e, alguns anos depois, na Rússia, já estará muito evidente, por exemplo, para Tchékhov:

O artista não deve ser o juiz de suas personagens, nem do que elas falam, mas apenas uma testemunha imparcial. Ouvi uma conversa sem nexo entre dois russos sobre o pessimismo, que não resolvia nada, e devo transmitir essa conversa exatamente como a ouvi, e os jurados, ou seja, os leitores, irão julgá-la. Meu papel é apenas ter talento, ou seja, saber distinguir as declarações importantes das insignificantes, saber iluminar as personagens e falar a língua delas.. Chtcheglóv-Leôntiev me recrimina por eu ter concluído o conto com a frase: “Não se compreende nada neste mundo!” Na sua opinião, o artista-psicólogo deve compreender, pois ele é psicólogo, mas eu não concordo com ele. Já está na hora de as pessoas que escrevem, sobretudo os artistas, perceberem que neste mundo não se compreende nada, como reconheceu outrora Sócrates e como Voltaire reconhecia. A multidão pensa que sabe tudo e entende tudo; e quanto mais estúpida ela é, mais amplo parece-lhe o seu horizonte. Mas se um artista, em quem a multidão acredita, decide declarar que não compreende nada do que vê, só isto já constituirá um grande saber no domínio do pensamento e um grande passo avante (…). (3)


                                                            Konstantin Yegorovitch Makovsky, “Retrato da família Volkov”


Ideologia e desejo em Pais e filhos
As trincheiras da razão, as convicções e as ortodoxias não só em Bazárov, mas em todas as demais personagens do romance irão se diluir, nuançar-se e desestabilizar-se pelas fissuras abertas pelo desejo.
Arkádi, retornando à casa paterna é surpreendido ao saber que tem um irmão, um bebê, fruto da união não oficial do pai com uma mulher muito mais jovem, Fedóssia (Feniêtchka) Nikoláievna, filha da governanta que veio a falecer enquanto trabalhava para os Kirsánov.

Em torno de Feniêtchka movem-se os desejos de Bazárov e de Pável Petróvitch, que leva, inclusive a um duelo patético entre os dois.

A mesma palpitação do desejo envolverá Arkádi e Bazárov em torno da proprietária de terras Ana Sergueiêvna Odíntsova, de vinte e nove anos, “inteligente, rica, viúva” (p. 111). Arkádi acabará envolvendo-se com Kátia, irmã de Ana Sergueiêvna, ao passo que Bazárov será atraído, de maneira ambivalente, por essa sedutora mulher.

Antes numa postura de desprezo para o jogo amoroso e para a mulher ou, então, movido simplesmente pela atração concupiscente, Bazárov vê-se enredado nas forças elusivas do desejo:

Odíntsova lhe agradava: os rumores que corriam a respeito dela, a liberdade e a independência do seu pensamento, a indubitável simpatia que tinha por ele – tudo parecia estar a seu favor; porém Bazárov logo compreendeu que, no caso de Odíntsova, não conseguiria “tirar algum proveito” e, no entanto, para sua própria surpresa, não tinha forças para lhe dar as costas. Seu sangue fervia só de pensar nela; poderia facilmente dominar seu sangue, porém uma outra coisa criava raízes dentro dele, algo que ele não admitia de maneira alguma, algo de que sempre zombava, algo que punha todo o seu orgulho em pé de guerra. Nas conversas com Ana Sergueiêvna, Bazárov manifestava, ainda mais do que antes, seu inabalável desprezo por todo e qualquer romantismo; quando sozinho, porém, indignava-se ao reconhecer um romântico em si mesmo. (p. 143).

Eis a sutil ironia que o Narrador desvela aos olhos do leitor: pelas cintilações do desejo, Bazárov chega ao avesso de si mesmo, pondo em questão as bases da sua crispada arquitetura da razão. É dessa forma que um grande escritor transpõe os impasses do seu tempo, alcançando, pelos mecanismos próprios da arte, novas sínteses e novos territórios da sensibilidade e do conhecimento.

Saudemos, pois, em seu bicentenário, Ivan Turguêniev e seu legado artístico.


                                                                                   Turguêniev e seus colegas escritores


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(1) BERLIN, Isaiah. Pensadores russos. São Paulo: Companhia das Letras, 1988, p. 214.
(2) Id., ibid., p. 271.
(3) Anton P. Tchpekhov, Carta n° 3: par Alekséi S. Suvórin; Sumi, 30 de maio de 1888. In: Irlemar Chiampi (org.). Fundadores da modernidade. Trad. Aurora Fornoni Bernardini, São Paulo: Ática, 1991, p. 165.

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Edição utilizada:
TURGUÊNIEV, Ivan. Pais e filhos. Tradução, prefácio de Rubens Figueiredo, São Paulo: Cosacnaify, 2004, 360 pp. Coleção Prosa do Mundo. Ensaios de Ivan Turguêniev e Henry James. 1ª reimpressão, 2006. Capa dura, 14,5x21cm. Imagem da sobrecapa: caricaturas de Ivan Turguêniev e Pauline Viardot. Livro composto em Bembo, papel Pólen Print 90 g/m².

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Imagens:
Konstantin Yegorovitch Makovsky (Moscou, 20/6/1839 – São Petersburgo, 17/9/1915), “Retrato de um homem” (1200 x 1525), coleção privada
https://www.the-athenaeum.org/art/detail.php?ID=233856

Konstantin Yegorovitch Makovsky, “Retrato de Lucien Guitry”, (2070 x 2500), coleção privada
https://www.the-athenaeum.org/art/detail.php?ID=137099

Konstantin Yegorovitch Makovsky, “Retrato de uma jovem senhora com laçarote rosa”, (1200 x 1495), Galeria Nacional Komi, Rússia
https://www.the-athenaeum.org/art/full.php?ID=234050

Konstantin Yegorovitch Makovsky, “Retrato da família Volkov”, (1598 x 2000), Museu Hermitage, São Petersburgo


Turguêniev e seus colegas escritores
Na primeira fileira: Ivan Goncharov, Ivan Turguêniev, Alexandre Vassilievich Drujinin e Alexandr Nikolievich Ostrovsky; atrás, em pé: Leo Tolstói, Dimitri Vassiliévich Grigorovich.
Fotografia de Sergei Lvovich Levitsky, março de 1856. Escritores que colaboravam para a revista “Sovremennik”.
https://russkiymir.ru/en/magazines/article/143873/
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Mikhail Ivanovitch Glinka (1804 – 1857), Finale da ópera “Uma vida pelo czar” (1836)
Coro e Orquestra do Teatro Mikhailovsky, São Petersburgo, 6/3/2013.