O autor do romance A
imensidão íntima dos carneiros responde ao Blog
É
importante que lutemos pela leitura e pela literatura, mesmo que
sejamos poucos.
Quanto
tempo transcorreu desde a ideia inicial até a redação final do
romance?
A
ideia inicial do romance data de 2009, 2010. Fiz esboços, anotações,
etc. Mas sentei mesmo para escrever em 2012/2013 e finalizei o
romance no início de 2015.
No
início do romance, o narrador faz menção, de passagem, aos
impasses sobre a estrutura narrativa da própria obra que está se
desenvolvendo aos olhos do leitor. Dar o nome de Marcelo Maluf ao
protagonista ou, em outras palavras, optar pela história familiar
como base para o romance forneceu-lhe um chão em que você pudesse
se apoiar para ir frente ou, contrariamente, foi um desafio duplo
nessa sua primeira investida nesse gênero?
Foi
um desafio duplo. Uma loucura mesmo. Eu havia esboçado,
anteriormente, alguns romances que fracassaram. Quando entendi que
essa história familiar era material para um romance, resolvi
enfrentar, tanto a forma quanto o conteúdo. Confesso que não foi um
processo tranquilo, mas sobrevivi, eu acho. Na luta com a forma,
cheguei a escrever umas trinta páginas com o narrador em terceira
pessoa e, depois, as mesmas páginas em primeira pessoa, e submeti o
texto à leitura de amigos escritores. O retorno que tive foi que em
primeira pessoa o narrador tinha mais força. Segui por esse caminho
e, ao fim, gostei do resultado.
Nos
últimos anos, houve alguns fatos extraliterários no país com
possível impacto sobre a literatura: os novos meios eletrônicos de
comunicação, o aumento percentual da presença de crianças e
jovens na escola, um início de incremento da renda dos mais pobres,
o surgimento de uma juventude propensa a um novo e autônomo ativismo
e, sem ser exaustivo, o fenômeno da “literatura das periferias”.
Você tem contato permanente com pessoas interessadas em literatura,
por meio das oficinas de literatura: há motivo para otimismo com a
literatura no Brasil, nos seus mais diversos aspectos: da criação,
do público-leitor e das formas de circulação da arte?
Estamos
vivendo um momento político de grande retrocesso. Se seguirmos por
essa rota, é certo que fracassaremos ainda mais. No entanto, o
escritor, o professor, o mediador de leitura, em minha opinião,
deve, justamente por isso, fortalecer o seu trabalho e ir ao encontro
dos leitores. Não importa se vivemos num momento ruim. Sempre
tivemos momentos ruins. Não se trata de ficar conformado, mas também
de não desesperançar.
Aliás,
em verdade, pouco vi o incentivo à leitura com grande expressão nos
programas de educação em geral no Brasil. O que sempre houve, foram
iniciativas muito pessoais e de pequenos grupos. É importante que
lutemos pela leitura e pela literatura, mesmo que sejamos poucos.
Quando encontro as pessoas em oficinas e clubes de leitura, me
fortaleço e entendo que o trabalho é lento mesmo. Vivemos num
sistema em que a leitura é desvalorizada cotidianamente, vista como
coisa de gente avoada, sem os pés no chão. Sendo que, em verdade, é
o contrário disso. A leitura te provoca, te faz sonhar, te faz
duvidar e te põe em xeque. Aqui falo, especificamente, da boa poesia
e da boa prosa. Não de fenômenos de mercado. Por isso, e apesar
disso, continuo escrevendo e promovendo a leitura.
segunda-feira, 21 de novembro de 2016
A
IMENSIDÃO ÍNTIMA DOS CARNEIROS, DE MARCELO MALUF
A
busca da redenção diante das catástrofes da História
Marcelo
Maluf, com o seu primeiro romance, fez muito bem à literatura
brasileira e reconheceu-o o Júri final do Prêmio São Paulo de
Literatura, na edição de 2016, que laureou a obra para a categoria
de autor estreante com mais de quarenta anos.
Explico:
fugindo ao realismo-naturalista,
Marcelo Maluf recorre às memórias e às raízes culturais dos seus
antepassados, para criar uma obra que, sem deixar de desenvolver uma
profunda reflexão sobre a condição humana – ou, melhor dizendo,
por isso mesmo: para adensá-la – reveste-se de livre imaginação
e de fantasia não evasionista. Temos aqui, dessa forma, uma obra de
arte no seu verdadeiro sentido, por meio da qual, por mecanismos
próprios dessa forma de conhecimento, o leitor é convidado, como é
característico da modernidade e do lúdico da arte, a participar da
maquinaria artística e a romper o automatismo do cotidiano, a fim de
alargar a percepção do real, o que, aliás, sempre foi o papel da
arte, cuja urgência, contudo, foi potencializada com a força
apassivante dos produtos culturais massificados.
Lembremo-nos,
a propósito, da reflexão do filósofo alemão Theodor Adorno sobre
qual realismo se exige do romance na Modernidade e como esse gênero
ainda pode ter algo especial a dizer em oposição ao mundo
administrado e à estandardização:
Se
o romance quiser permanecer fiel à sua herança realista e dizer
como realmente as coisas são, então ele precisa renunciar a um
realismo que, na medida em que reproduz a fachada, apenas auxilia na
produção do engodo. A reificação de todas as relações entre os
indivíduos, que transforma suas qualidades humanas em lubrificante
para o andamento macio da maquinaria, a alienação e a
auto-alienação universais, exigem ser chamadas pelo nome, e para
isso o romance está qualificado como poucas outras formas de arte.
(1)
A
imensidão íntima dos carneiros
coloca em primeiro plano a luta dos indivíduos contra a dor, o
sofrimento e, principalmente, o medo que congela e paralisa, e também
os poderes entrelaçados da palavra, da memória, do testemunho e da
própria arte como instrumentos contra o círculo de ferro - vicioso,
infindável e recorrente - da violência e das catástrofes da
História.
O
medo estava estava no princípio de tudo.
O
medo dominou gerações e bebeu em pequenas doses a coragem de muitos
homens e mulheres de nossa família. Nós sempre estivemos sob o seu
domínio. O medo estava em nossos ancestrais os Gassanidas, em Huran
próximo às colinas de Golan. No ano 427 d.C, um sujeito chamado Abu
Abdallah, nosso ancestral mais remoto, foi perseguido e morto pelos
muçulmanos com 128 golpes de sabre, apenas por ser cristão. Sua
mãe, que assistia a tudo, gritava para ele: “Morra como um homem,
meu filho, não chore”. Mas Abu Abdallah chorou. Foi ali, nas
lágrimas que escorriam de seu rosto, que nasceu o medo que iria
chegar até nós.
(Marcelo
Maluf – A imensidão íntima dos carneiros.
São Paulo, Reformatório, 2015, p. 11).
O
romance é divido em quatro partes: O Vento, A Montanha, O Fogo, O
Oceano que, utilizando as quatro raízes constitutivas do universo,
no entender de Empédocles de Agrigento – o ar, a terra, o fogo, a
água –, simboliza a busca das origens e da essência, para
decifrar o medo atávico que domina a família do protagonista desde
tempos imemoriais.
Marcelo
Maluf, personagem-narrador, empreende, juntamente com o avô Assaad -
do qual se aproxima e cujos passos segue, numa viagem íntima e
existencial (pois o avô morreu em 1966, oito anos antes de Marcelo
nascer) -, essa busca da verdade no passado, a fim de libertar ambos
do medo que é fonte de angústia e do embotamento da vida, e também,
por outro lado, do medo que é motor do ciclo da violência
recorrente, pois “o medo também nos torna cruéis e, escravos
dele, podemos nos tornar assassinos” (cit.,
p. 12).
Estabelece-se
um paralelismo supratemporal entre as vidas de Marcelo e de seu avô,
Assaad Simão Maluf, cujas vozes se alternam no romance: no medo
ancestral que os entrelaça, no estranhamento em relação aos
lugares onde nasceram e dos quais partiram - Assaad, de Zahle, no
Líbano; e Marcelo, de Santa Bárbara D'Oeste, cidade do Estado de
São Paulo - , nos carneiros a que se afeiçoaram em suas infâncias
(Mustafa e Khnum), nas mulheres que passaram por suas vidas, deixando
fundas marcas em suas lembranças.
E
há um eco de angústia hamletiana em Assaad, que também contamina
Marcelo: o pedido de Simão, pai de Assaad, para que vingue a morte
cruel de Adib e Rafiq, irmãos de Assaad, por obra de soldados
turcos, em 1920, durante o Império Turco-Otomano, e que motiva a
saída de Assaad do Líbano em direção ao Brasil, vindo a fixar-se
na cidade de Santa Bárbara D'Oeste. Antes de partir, Simão pede a
Assaad:
“Nunca
diga a ninguém o que aconteceu em nossa casa. (…) Uma desgraça
como a nossa é para ser enterrada. Ninguém gosta de estar ao lado
de gente que vive lamentando as suas tragédias. Vá viver a sua vida
e nos esqueça. O Brasil lhe fará bem.”
(Cit.
p. 131)
A
dinâmica do romance instala-se por dois motivos propulsores: o ciclo
de violência e sua contraface: o medo atávico e ancestral que
percorre os séculos desde muito distante no tempo até Assaad, seus
filhos e Marcelo e, a isso conectado, o “segredo trágico” de
Assaad (p. 24), em outras palavras, a interrupção da memória desse
ciclo, que dissemina o mal estar no ramo brasileiro da família
Maluf. Ter a consciência dessa tragédia cíclica, por meio da
memória e do testemunho, e furtar-se à vingança que a alimenta, é
a jornada heroica a que somos convidados nessa promissora
estreia em romance de Marcelo Maluf, enriquecida pelos ensinamentos,
pelas fábulas, parábolas, enfim, pelo rico imaginário da cultura
árabe.
Há
um dito popular que diz que do carneiro só não se aproveita o
berro. Mas como eu não iria explorar a vida de Khnum como fazem os
criadores, eu tive tempo de saber que o berro de um carneiro é a sua
imensidão íntima, doada em forma de som para o mundo. Quando um
carneiro berra, ele expressa a sua angústia, raiva, medo ou alegria.
O berro de um carneiro é a maneira dele de se comunicar com Deus. O
Cristo berrou: “Pai, por que me abandonaste?”.
(Cit.,
p. 113).
*
Marcelo
Maluf nasceu em Santa Bárbara D'Oeste, interior do Estado de São
Paulo, Brasil, em 1974. É músico e mestre em Artes pela Unesp.
Autor do livro de contos Esquece tudo agora (2012) e do infantil As
mil e uma histórias de Manuela (2013), entre outros. Vive em São
Paulo desde 1999.
"O pensador", Gibran Khalil Gibran
_____
“Posição
do narrador no romance contemporâneo”, in:
Theodor Adorno - Notas de literatura I,
2ª
ed., trad. Jorge de Almeida, São Paulo, Duas Cidades, Ed. 34, 2012,
p. 57.
domingo, 13 de novembro de 2016
Os
sertões, de Euclides da Cunha
Há
cento e vinte anos, começava a repressão a Canudos
"Arraial de Canudos, visto pela Estrada do Rosário", Demétrio Urpia, litografia, 1897 (1).
Relata
o general Frederico Solon, comandante do 3° Distrito Militar:
“A
4 de novembro do ano findo (1896) em obediência à ordem já
referida, prontamente satisfiz a requisição, pessoalmente feita
pelo dr. Governador do Estado, de uma força de cem praças da
guarnição para ir bater os fanáticos do arraial de Canudos,
asseverando-me que, para tal fim, era aquele número mais que
suficiente.
Confiado
no inteiro conhecimento, que ele devia ter, de tudo quanto se passava
no interior de seu Estado, não hesitei; fazendo-lhe apresentar, sem
demora, o bravo tenente Manuel da Silva Pires Ferreira, do 9°
Batalhão de Infantaria, a fim de receber as suas ordens e
instruções, o qual, para cumpri-las, seguiu, a 7 do dito mês, para
Juazeiro, ponto terminal da estrada de ferro, na margem direita do
rio São Francisco, comandando três oficiais e 104 praças de pré
daquele Corpo, conduzindo apenas uma pequena ambulância, fazendo eu
seguir logo depois um médico com mais alguns recursos para o
exercício da sua profissão. O mais correu pelo Estado.”
(Euclides da Cunha - Os
sertões - Campanha de Canudos. Edição, prefácio, cronologia, notas e índices Leopoldo M. Bernucci, 2a. ed., São Paulo, Ateliê Editorial, 2001, “A
luta – Preliminares", pp.
342-343).
Conforme
conta o general Solon, coincidentemente sogro de Euclides da Cunha (Cantagalo, RJ, 20/1/1866 -Rio de Janeiro, RJ, 15/8/1909),
em documento recolhido pelo escritor e incluído na sua obra magna,
no dia sete de novembro de 1896 o destacamento comandado pelo tenente
Pires Ferreira chegou a Juazeiro, de trem, distante mais de duzentos
quilômetros de Canudos.
A
partir de um fato banal, mas que se desenvolvia sob o pano de fundo
de tensões e contradições decorrentes das andanças e
peregrinação, havia vinte e dois anos, de Antonio Conselheiro pelos
sertões da Bahia e de Sergipe, tinha início, o conflito de Canudos.
A
total incompreensão das autoridades da época sobre o que se passava
em Canudos, o uso desmedido da força bruta e o bárbaro desfecho do
conflito – vitimando a quase totalidade da população de vinte mil
pessoas do Arraial - tornaram-se fatos centrais na História
brasileira. Por isso, Canudos fixou-se, principalmente por força do
relato épico de Euclides da Cunha, como o conflito-símbolo de todas
as recorrentes e igualmente violentas repressões em nosso país,
recolocando em questão, entre nós, para usar a expressão de Celso
Furtado, a construção continuamente interrompida da nossa formação
nacional.
Três anos antes, Antonio Conselheiro e seus seguidores haviam se
fixado na região de Canudos, rebatizada pelo líder religioso como
Belo Monte.
A
então comarca de Canudos teve um marco especial na evolução de seu
povoamento quando, em 1785, o frei capuchinho italiano Apolônio de
Todi, que andava pela região em missão religiosa, ali esteve e,
congregando os fieis, edificou uma Via Sacra. Com o tempo, o local
tornou-se centro de romarias, propiciando um crescimento da povoação.
Logo
que chegou à localidade, Antonio Conselheiro construiu uma igreja,
dedicada a Santo Antonio, onde só havia uma capela, e planejou
construir uma outra muito maior – Igreja de Bom Jesus – cujas
obras iniciaram-se em 1896. Justamente daí, aguçados por tramas
anteriores, desencadeiam-se os fatos.
Xilogravura, João Pedro do Juazeiro, 2014
Antonio
Conselheiro adquirira em Juazeiro certa quantidade de madeiras, que
não podiam fornecer-lhe as caatingas paupérrimas de Canudos.
Contratara o negócio com um dos representantes daquela cidade. Mas
ao terminar o prazo ajustado para o recebimento do material, que se
aplicaria no remate da igreja nova, não lho entregaram. Tudo
denuncia que o distrato foi adrede feito, visando rompimento anelado.
O
principal representante da justiça do Juazeiro tinha velha dívida a
saldar com o agitador sertanejo, desde a época em que sendo juiz do
Bom Conselho fora coagido a abandonar precipitadamente a comarca,
assaltada pelos adeptos daquele.
Aproveitou,
por isto, a situação, que surgia a talho para a desafronta. Sabia
que o adversário revidaria à provocação mais ligeira. De fato,
ante a violação do trato, aquele retrucou com a ameaça de uma
investida sobre a bela povoação de São Francisco; as madeira
seriam de lá arrebatadas, à força.
(Id.,
ibid., pp. 339-340).
Ao
fim da batalha, que se deu na localidade de Uauá, a cem quilômetros
de Canudos, muito embora os sertanejos dispusessem de armamento
grosseiro e tivessem baixas muito maiores – cento e cinquenta ante
as dez perdas entre as forças oficiais -, o comandante desistiu de
prosseguir na empresa
Assombrara-o
o assalto. Vira de perto o arrojo dos matutos. Apavorara-o a própria
vitória, se tal nome cabe ao sucedido, pois as suas consequências o
desanimavam. O médico da força enlouquecera... Desvairara-o o
aspecto da peleja. Quedava-se, inútil, ante os feridos, alguns
graves.
A
retirada impunha-se, por tudo isso, urgente, antes da noite, ou de um
outro recontro, ideia que fazia tremer aqueles trinfadores.
Resolveram-na logo. Mal inumados na capela de Uauá os companheiros
mortos, largaram dali sob um sol ardentíssimo.
Foi
como uma fuga.
(…)
E
as linhas do telégrafo transmitiram ao país inteiro o prelúdio da
guerra sertaneja.
(Id.,
ibid., pp. 351-352).
*
O
assalto final contra os sertanejos iniciou-se no dia 1°
de outubro de 1897. Os últimos quatro combatentes – dois homens,
um velho e um menino – tombaram no dia cinco do mesmo mês.
*
Euclides
da Cunha acompanhou pessoalmente o conflito, como correspondente, a
convite de Júlio Mesquita, proprietário do jornal “O Estado de S.
Paulo”. Chegou à região no dia 30 de agosto de 1897, lá
permanecendo até o dia 3 de outubro. A redação do livro foi
iniciada imediatamente após o seu retorno da Bahia.
Nota
cômica: em dezembro de 1901, ante o desinteresse do diretor da
editora Livraria Laemmert, o escritor resolve bancar parcialmente a
publicação do livro. A obra é lançada um ano depois e torna-se um
sucesso de vendas, recebendo críticas altamente elogiosas dos
principais críticos da época: Araripe Júnior, José Veríssimo e
Sílvio Romero. Uma segunda edição foi lançada em junho do ano
seguinte.
Nascia
um clássico da literatura brasileira.
*
Euclides
da Cunha foi eleito em 21 de setembro de 1903 para a cadeira 7 da
Academia Brasileira de Letras; tomou posse no dia 18 de dezembro de
1906, sendo recebido pelo acadêmico Sílvio Romero.
*
Uma
mente tão privilegiada e inquieta, reunindo conhecimentos
científicos, artísticos e filosóficos de sua época, Euclides da
Cunha teve a vida tragicamente abreviada, ao morrer no dia 15 de
agosto de 1909, aos quarenta e três anos, alvejado por quatro tiros,
desferidos pelo cadete Dilermando de Assis, amante de sua esposa,
Anna de Assis.
*
O
impacto dessa mancha na história brasileira, repercutida pela
obra-prima de Euclides da Cunha, é tão grande que, afora a
reprodução no imaginário de incontáveis artistas brasileiros, nos
mais diversos gêneros artísticos, houve repercussão inclusive fora
das fronteiras nacionais. Dois escritores estrangeiros, entre outros,
impressionados com a leitura do épico da nossa literatura,
recriaram, cada um a seu modo, os episódios de Canudos.
Mário
Vargas Llosa
visitou os locais do conflito e conversou com moradores da região,
para redigir o romance A
guerra do fim do mundo,
lançado originalmente em 1982 (publicado no Brasil pela Alfaguara,
trad. Ari Roitman e Paulina Wacht, 2008, 608 pp.).
Também
o escritor húngaro Sándor
Márai
publicou em 1970, no Canadá, uma versão ficcional dos fatos -
Veredicto
em Canudos -,
após ler uma versão em inglês da obra brasileira. O romance de
Márai foi publicado no Brasil pela Companhia das Letras, em 2002
(trad. Paulo Schiller, 160 pp.).
Euclides em perfil retratado por George Huebner e Libânio do Amaral. Manaus, Amazonas, [nov.] 1905
Euclides da Cunha, retratado por George Huebner e Libânio do Amaral, Manaus (AM), 1905.
Euclides em perfil retratado por George Huebner e Libânio do Amaral. Manaus, Amazonas, [nov.] 1905
*
(1) Essa litografia foi feita pelo então juiz da comarca de Tucano (BA), com base em informações de oficiais da Expedição Moreira César, derrotada pelos sertanejos no início de março de 1897.
"A história fará sua homenagem", Gereba Barreto e Ivanildo Vilanova, 2015, nos cento e oitenta e cinco anos de nascimento de Antonio Vicente Mendes Maciel (Quixeramobim, CE, 18/3/1830 - Canudos, BA, 22/9/1897), o Antonio Conselheiro.
segunda-feira, 7 de novembro de 2016
Há
cento e quinze anos nascia Cecília Meireles:
Um
caminho singular no Modernismo brasileiro
"A onda", Anita Malfatti (1917)
Há
cento e quinze anos, em sete de novembro de 1901, nascia Cecilia
Benevides de Carvalho Meireles, na cidade do Rio de Janeiro, uma das
poetas mais queridas do Brasil.
Com
uma carreira artística e uma atividade intelectual prodigiosas para uma mulher da
primeira metade do século passado, Cecília Meireles foi educadora
vocacionada e militante da causa da Educação pública, professora
universitária, estudiosa do folclore, jornalista, viajante atenta e
apaixonada e, acima de tudo, poeta que teve a coragem silenciosa de
seguir o seu próprio caminho, em oposição ao impulso moderno pelos
manifestos e programas, que guiou a trajetória de tantos
escritores ao longo do século.
Possivelmente
por causa desse “caminho singular”, falta uma compreensão
mais abrangente dessa trajetória e uma interpretação das opções formais e temáticas da escritora que, fiel ao intimismo, à
musicalidade do verso – que dominou como poucos em nossa poesia - e
à observação e investigação delicada e minuciosa dos seres,
produziu uma obra de inúmeros pontos altos e admirável na sua
coerência e na sua organicidade.
Cecília Meireles faleceu na mesma cidade do Rio de Janeiro, no dia nove de novembro de 1964.
A
ela voltaremos, por dever de ofício.
PEQUENA FLOR
Como pequena flor
que recebeu uma chuva enorme
e se esforça por
sustentar o oscilante cristal das gotas
na seda frágil, e
preservar o perfume que aí dorme,
e vê passarem as
leves borboletas livremente,
e ouve cantarem os
pássaros acordados sem angústia,
e o sol claro do
dia as claras estátuas beijando sente,
e espera que se
desprenda o excessivo, úmido orvalho
pousado, trêmulo,
e sabe que talvez o vento
a libertasse,
porém a desprenderia do galho,
e nesse temor e
esperança aguarda o mistério transida
— assim,
repleto de acasos e todo coberto de lágrimas
há um coração
nas lânguidas tardes que envolvem a vida.
Da obra: "Vaga música" (1942), in: Cecília Meireles - Obra poética. Rio de Janeiro, Nova Aguilar, 1987, p. 171.